BoJack Horseman: o existencialismo e os efeitos devastadores da fama

Além de abordar assuntos que estão no mainstream, a série trata da responsabilidade da fama e do sentido que damos para a vida

Vinícius Eira
5 min readJun 25, 2020

BoJack Horseman é uma série de animação da Netflix feita para adultos com problemas de adultos. Ambientada em Hollywoo(d), em uma sociedade que mistura seres humanos e animais antropomórficos, a série conta a história do protagonista que dá nome ao show, um cavalo ator ou ator cavalo que fez muito sucesso em uma sitcom nos anos 1990, e desde então vive em sua mansão na grande Los Angeles se alimentando do vazio que a fama deixou. Com humor ácido, o seriado nos traz discussões de assuntos do cotidiano como aborto, machismo, vícios, mídia, exposição na internet, a cultura do cancelamento e uma crítica forte ao sistema que cerca a cidade dos Anjos e tudo que fazem com atores pelo seu sucesso e dinheiro.

Por mais que se trate de uma animação, o criador Raphael Bob-Waksberg nos apresenta personagens intensos, com problemas reais, rompendo com qualquer estrutura vista em um desenho. Ele não tem medo de expor o quão ruim é seu protagonista. Buscando preencher um grande vazio, BoJack (Will Arnett) é um alcoólatra compulsivo, usa drogas, e chegou a ter overdose de remédios na última temporada. Tem problemas com a fama, busca sempre a sensação de poder — nem que para isso exerça falsa dominância com pessoas próximas –, vive buscando aceitação, já que sua mãe sempre o tratou como um ninguém, além de viver com o sentimento de culpa por erros do passado, como em mortes de pessoas próximas, ou o jeito como tratou uma antiga colega de série, Sarah Lynn, e uma égua que surge como possível filha, Hollyhock.

Mas, além disso, BoJack Horseman nos apresenta personagens secundários excelentes. Como Todd Chavez (Aaron Paul), o amigo fiel que se tornou independente, é inocente, tem o estereótipo de vagabundo, encontrando alegria nas pequenas coisas e abrindo empreendimentos sem querer, além de ser um dos principais alívios cômicos do show. Todd ainda nos apresenta questões como a assexualidade e dificuldade relacionamento com a mãe. Outra personagem importante é Diane Nguyen (Alison Brie), uma jornalista que surge na série como ghost writer da biografia de BoJack. Ela tem traumas com o pai, se sente insuficiente, vive buscando aceitação na sombra de figuras masculinas, além de ser depressiva e se sentir sem identidade. Há também a Princesa Carolyn (Amy Sedaris), uma agente de Hollywoo que se mostra como mulher forte e talvez tenha sido a que mais se aproximou de um sentido para a vida. Por mais que tenha se sentida incompleta em alguns momentos, ela conseguiu alcançar dois objetivos importantes de sua vida, a maternidade e o casamento. Fechando o rol de personagens principais, temos o labrador Mr. Peanutbutter (Paul F. Tompkins). Um personagem que se mostra feliz, positivo e que rende bons alívios cômicos, mas no fundo, tem certa dificuldade em se encontrar, busca matar a solidão em casamentos e tem enorme uma necessidade de atenção.

Os personagens de BoJack Horseman, da dir. para a esq.: BoJack, Diane, Todd, Princesa Carolyn e Mr. Peanutbutter (Reprodução/Netflix)

Mas além de todo o ciclo dos personagens, o desenvolvimento da série vai além de problemas cotidianos e críticas ácidas. BoJack Horseman é, antes de qualquer coisa, uma série existencialista. Em diversos momentos da trama nós vemos o protagonista em sua luta diária para encontrar um sentido para a vida. Traumatizado pela criação com a mãe, ele encontra no sucesso uma fonte de abastecimento para seu eu interior, e é nesse aspecto que o seriado mais acerta: a crítica para a fama.

A fama causa uma sensação de adrenalina em BoJack, ele se sente momentaneamente completo, sem o vazio. Mas a fama, e os urubus de Hollywood cobram um preço caro por isso: você tem que se provar sempre. Ninguém se mantém famoso para sempre apenas por um programa, e do mesmo jeito que as pessoas te idolatram, elas se esquecem de você. Portanto, aquela sensação de poder, riqueza, abastecimento interior se torna um vício, e quando nosso protagonista não está em alta na mídia, ele desconta toda sua amargura e depressão nas pessoas próximas, abusando de outras drogas como bebida, heroína e analgésicos. Quando a fama acaba, quem temos do nosso lado para nos ajudar a se reerguer? Bojack afastou todos.

A terceira temporada da série termina com a belíssima música Stars, de Nina Simone (veja abaixo). A canção relata como a fama te dá algo bom por um curto período de tempo e como isso pode ser devastador por quase toda sua vida. A ânsia pelos holofotes te leva a fazer qualquer sacrifício, já que nem dar a própria vida parece ser grande demais para se manter em alta. Afinal, nem todas as estrelas que vemos no céu estão vivas, assim como um famoso que faz sucesso pode estar morto por dentro.

Mas sem fama, qual o sentido da vida para BoJack? Bom, essa passa a ser a trama central do protagonista. Quando o cavalo niilista passa a se ver sozinho e totalmente arrependido das suas escolhas do passado, ele começa sua busca interior até sua possível morte no episódio “A vista do meio pra baixo”. São quase 30 minutos de um sonho de BoJack com pessoas que já morreram como sua mãe, seu pai caracterizado como Secretariat, Herb, Sarah Lynn, entre outros. Ali, eles passam a falar de suas experiências em vida e vemos como a série tem sim um viés existencialista, na busca por um sentido. Por mais sofrida quem tenha sido sua experiência, Herb passou a se encontrar naquilo que o tornava menos triste, como a fase boa do New York Knicks na NBA. Já Sarah Lynn diz que mesmo com traumas e tristeza, encontrava sentido na vida levando um pouco de arte e alegria para as pessoas.

E por que BoJack Horseman não morreu ali? Creio que, na cabeça de Raphael Bob-Waksberg, BoJack ainda não encontrou seu próprio sentido. Era muito fácil o astro apenas morrer. Ele ainda tinha que sofrer para se encontrar. Ele devia abandonar seu eu niilista e tentar se redimir, ser algo diferente do que as pessoas que o traumatizaram foram com ele. O ator vai preso, perde todos os seus bens e amigos próximos, mas amadurece. E é por isso que o último episódio não é o do sonho, e sim o da reconciliação. Ele consegue expor para as pessoas próximas tudo que ele fez de errado, pedindo perdão ao seu estilo.

Por ter sido cancelada, todo esse processo final foi acelerado e causou estranheza. Talvez merecíamos uma temporada só para isso, já que não amadurecemos da noite para o dia, ou uma temporada do BoJack um pouco mais em paz consigo mesmo, sem os traumas do passado, buscando se reaproximar de pessoas que o deixaram e retomar seu protagonismo de maneira saudável. Nunca saberemos. Mas o BoJack Horseman do último episódio me trouxe um pouco mais de esperança na vida. É possível achar um sentido, e devemos fazer isso, nem que tenhamos que alcançar o fundo do fundo do poço.

O fim de BoJack Horseman (Reprodução/Netflix)

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